Hipoícones
Nesta seção apresentamos o resultado da análise semiótica da primeira temporada de 'Dr. Stone'. A categoria semiótica que selecionamos na Teoria de Charles Peirce para guiar a análise foi o hipoícone.
Imagens
Ao longo do Prólogo, são construídas cerca de 15 ferramentas e itens essenciais como roupas de pele, cerâmica, cesta de vime, destilador de barro, sextante e jangada que emergem como imagens.
Dentro do acervo ilustrado acima, selecionamos a imagem do "destilador de barro" para instanciar a potência visual das imagens de Dr. Stone. A figura abaixo, composta por um frame do animê Dr. Stone, uma ilustração do processo de destilação de álcool de Biringuccio e uma magem do papiro de Zósimo, conforme apresentado no livro de Berthelot, exemplifica uma relação entre hipoícones, onde cada imagem manifesta qualidades comuns e distintas relacionadas à destilação.
Fonte: (1) Frame (minuto 19:43) do primeiro episódio da primeira temporada de Dr. Stone; (2) Destilação de álcool em: V. Biringuccio, De la pirotechnia (1540) p. 348; (3) Destilação nos papiros de Zósimo de Panápolis (300 d.C. – 370 d.C.) em: M. Berthelot, Collection des anciens alchimistes grecs (v. 1) (1887), p. 163.
A relação entre esses
hipoícones permite criar uma situação favorável a entrelaçamentos da história
com a química, inclusive em uma abordagem interdisciplinar ao destacar diálogos
entre ciência e cultura ao longo do tempo.
Diagramas
A primeira temporada possui dois grandes projetos: a produção de antibióticos (ao qual são dedicados grande parte dos episódios) e a de um aparelho tipo celular. O diagrama abaixo, presente no oitavo episódio, mostra a rota de produção de sulfa elaborada por Senku, com as substâncias que deveriam – e foram – produzidas durante os episódios.
Os diagramas, na
narrativa de Dr. Stone, oferecem ao
receptor um sistema de explicação que organiza conceitos científicos em etapas
na produção de um objeto ou produto da ciência. Cada agente ou instância do diagrama é tratado como
uma etapa ou desafio na jornada de Senku
como herói.
Esses hipoícones cumprem papel explicativo e estruturam a progressão da história, ao transformar a busca pelo conhecimento e a reconstrução da civilização em uma série de "missões" ou "fases" que Senku e seus aliados devem superar. Esse tipo de abordagem que parece ser fixada no diagrama incorpora funções da gamificação e pretende envolver ainda mais a atenção do espectador, pois cada diagrama marca um avanço na narrativa, representando conquistas que levam Senku um passo mais próximo de seus objetivos.
Assim, os diagramas funcionam como mapas visuais que guiam tanto os personagens quanto o receptor através da narrativa, entrelaçando-os e pondo em destaque os desafios científicos como etapas na jornada heroica de Senku.
Metáforas
A série utiliza conceitos científicos para impulsionar sua narrativa e os traduz em ícones visuais que repercutem no engajamento do espectador. Essas imagens estão carregadas de sentidos que transcendem qualquer função ilustrativa e podem atuar como metáforas que oferecem novas oportunidades a debates na sala de aula de química.
Na imagem abaixo elaboramos uma montagem com algumas metáforas visuais encontradas no quinto episódio do animê.
A primeira linha mostra uma imagem carregada de
tensão, representando a resignação momentânea de Senku e sugerindo um estado de aceitação da personagem diante da força bruta de Tsukasa. Ao lado desse frame, temos uma cena de guerra, que funciona como um
símbolo de devastação e ruptura, lembrando ao receptor que os conflitos
filosóficos e a ética na ciência não estão isolados, mas fazem parte de uma linha
contínua na história da humanidade, onde as escolhas em torno do uso da ciência
trazem repercussões duradouras. O contraste visual entre as duas imagens sublinha as decisões
de Senku e Tsukasa como equivalentes às decisões tomadas em tempos de guerra.
A segunda linha remete à clássica pose de cientistas que se refere à antiga ´técnica da uroscopia, na qual o médico, segurando um frasco ou tubo de vidro contendo urina, simboliza a observação cuidadosa e a busca pelo conhecimento oculto nas funções internas do corpo humano.
Fonte: Elaborado pelos autores; (1) Caricatura de John Dalton por James Stephenson (1808-1886), provavelmente de 1882 (ambas da Coleção Edgar Fahs Smith); (2) Avicena (980–1037) realizando uma uroscopia, ilustração do Liber chronicarum ("A Crônica de Nuremberg") de Hartmann Schedel, 1493; (3) Relevo do lado sul do Campanário no Domo de Florença, representando a Medicina, por Giotto di Bondone (1267-1337) 1334-37 Mármore Museu dell'Opera del Duomo, Florença; (4) Marcelin Berthelot (1827-1907), óleo sobre tela de Harry Salomon (em artsdot.com); (5) Retrato de Louis Pasteur (1822-1895) em seu laboratório. Gravura vintage, aproximadamente do final do século XIX.
A terceira linha ilustra a morte de Senku sob um céu que se
torna cinza e chuvoso, o que reforça uma visão maniqueísta da ciência como a única
força capaz de trazer clareza e progresso à humanidade. Este frame também pode ser (re)interpretado como momento de reflexão acerca de uma nova aliança entre as personagens: será que o "progresso
científico" é sempre benéfico? Será que a "luz da ciência" sempre ilumina, ou
também cega?